Catálogo da BE

sexta-feira, 12 de março de 2010

Manuela Monteiro: o prazer dos livros e da leitura (texto gentilmente cedido pela própria escritora)


A minha caminhada, de há mais de uma dezena de anos, por tantas e tão variadas escolas, tem como objectivo tentar “contagiar” os alunos com o meu amor aos livros e à leitura.

Como sempre tentei praticar a pedagogia do exemplo, falo-lhes da minha experiência pessoal como leitora.

Foram as histórias do “Era uma vez…” que ouvi no colo doce do meu avô; e as histórias de bruxas, feiticeiras, fadas, príncipes e princesas encantadas que uma das minhas tias me lia (eu ainda não sabia ler), em livros bem feiinhos e desengraçados, que determinaram a minha paixão pelas histórias e pelos livros. Pela leitura, enfim.

A minha vida profissional de professora de Português e a outra, mais pessoal e mais íntima, provaram-me que os livros da nossa vida são os que lemos na infância, na adolescência e na juventude pois são eles que moldam o carácter, nos fornecem “modelos” e se tornam uma espécie de “bússola” muito nossa.

Steinbeck, que eu li na minha juventude e foi e continua a ser uma das minhas referências, escrevia no seu livro A Taça de Oiro que, enquanto um adulto conserva dentro de si a infância, voa; se a perde, rasteja.

Sophia – talvez a minha bússola maior – num tempo em que isso fazia todo o sentido, confessava-se preocupada com a ausência de magia na literatura infantil. Dizia que roubar a magia às crianças é mutilá-las, impedi-las de exercitar a imaginação e o sonho e de crescer de maneira harmoniosa. É nas histórias de fadas que a criança encontra um sentido para a vida pois as histórias são uma metáfora do real, do vivido.

Einstein, físico e prémio Nobel, dizia a uma mãe que o questionava sobre as leituras que deveria dar ao seu filho: “ Se quiser que o seu filho seja brilhante, conte-lhe histórias de fadas. Se quiser que ela seja ainda mais brilhante, conte-lhe mais histórias de fadas”.

António Torrado disse que os primeiros destinatários da literatura infanto-juvenil deveriam ser os adultos sobretudo os que já tivessem esquecido os valores universais e intemporais que esta literatura, a mais comprometida das literaturas, consigo transporta.

Quando comecei a ler os meus primeiros livros pelas escolas, os alunos colocavam invariavelmente a questão dos valores e perguntavam-me se era para lhos transmitir que escrevia. Eu respondia-lhes que só tinha pensado em escrever histórias de que eles gostassem e que os motivassem para a leitura. Os valores apareciam, sem eu própria me dar conta, porque eles faziam parte de mim.

Penso que só então completamente me apercebi da responsabilidade acrescida que é escrever para crianças e para jovens. E a partir de determinado momento, assumi os valores que, em cada uma das histórias, queria transmitir. Assim, sem abdicar do sentido estético e lúdico, este assumir dos valores tornou-se a matriz daquilo que escrevo.

Num encontro muito recente com alunos do oitavo ano que tinham lido A Casa da Romãzeira, o meu último livro, uma aluna perguntou-me e cito “se com este livro eu queria ensinar-lhes coisas, dar-lhes lições”. Agradeci a deixa e perguntei a todos os presentes se o que a colega tinha dito os fazia sentir como eu sempre me senti em relação às fábulas que me incomodavam pela sua inevitável “moralidade”, tantas vezes duvidosa. Um coro de vozes “precisamos de saber estas coisas, fazem-nos bem”, tranquilizou-me porque nestas idades o diálogo é sempre aberto e franco. Verdadeiro.

Tranquilizou-me em relação a este livro e em relação ás outras cinco histórias já escritas, mas ainda não publicadas – pelo menos em forma de livro – e que são todas elas igualmente mensageiras e comprometidas

Penso que vivemos uma crise que não é só económica, mas é também uma crise de valores. Vou mais longe e penso que a crise económica radica, em grande parte, nessa crise de valores. Mas isso já é meter a foice em seara alheia. Ou não será?

Deixo-vos com o apelo á leitura pois é com a ajuda dela que vós vos tornareis seres humanos mais sábios, mais solidários e mais felizes. Cidadãos mais conscientes e mais capazes de construírem um mundo melhor. Sonhadora? Quem não sonha está morto por dentro.

Leiam, leiam muito. Aquilo de que mais gostarem pois é vosso direito de leitores pôr de parte os livros que não vos agradarem. Foi o que sempre fiz e ainda continuo a fazer.

E um dia direis comigo, citando Ana Teresa Pereira: “eu sou feita da matéria dos livros”.


E não há no mundo matéria melhor!


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