Catálogo da BE

domingo, 3 de outubro de 2010

Implantação da República: testemunhos.



Testemunho de José Relvas


Lisboa, Rua da Esperança


03 de Outubro de 1910 – 20:30



Às 8,30 horas estavam no segundo andar da casa da Rua da Esperança, reunidos numa pequena sala, os chefes civis e militares. Só Afonso Costa se sentara numa poltrona, ao canto da casa, na sombra. Todos estavam de pé, projectando-se os primeiros círculos de luz mais intensa do candeeiro de suspensão em Cândido dos Reis e nos oficiais(…). O Directório, que estava representado por mim e Inocêncio Camacho, José Barbosa, Cupertino Ribeiro e Eusébio Leão, aguardava silencioso as palavras decisivas dos oficiais revolucionários(…).


Fonte: Machado Santos, A Revolução Portuguesa 1907-1910, (prefácio de Joel Serrão) Lisboa, Assírio e Alvim, Janeiro de 1982, p. VIII.



Testemunho de Raul Brandão


04 de Outubro de 1910 – 20:30


Morte de Miguel Bombarda



Mataram o Dr. Bombarda. Espalha-se na cidade que foram os padres que instigaram um tenente a assassiná-lo. É falso, mas há correrias no Rossio e o “Portugal” foi apedrejado. Toda a gente acredita num crime planeado, toda a gente se insurge contra o facto brutal – toda a cidade republicana se transforma num vulcão. No Rossio juntam-se grupos de gente taciturna e desesperada: - Mataram-no! Mataram-no! – ouve-se. À uma hora da noite o Machado Santos à frente dum bando de populares atira-se ao portão de Infantaria 16.


Fonte: Machado Santos, A Revolução Portuguesa 1907-1910, (prefácio de Joel Serrão) Lisboa, Assírio e Alvim, Janeiro de 1982, p. XIII.



Testemunho de Raul Brandão


Lisboa, Campo da Batalha


04 de Outubro de 1910 – 22:30



Às dez e meia da noite sei mais notícias: os navios bombardearam o Paço; as tropas fiéis à monarquia estão encurraladas no Rossio. “Toda a noite ouço o estampido do canhão, (…), para depois cair sobre a cidade um silêncio mortal, um silêncio pior. Que se passa? Distingo o assobio das granadas, e de quando em quando um despedaçar de beiral que cai à rua. E isto dura até à madrugada. De manhã as tropas do Rossio rendem-se e os marinheiros desembarcam na Alfândega.


Fonte: Machado Santos, A Revolução Portuguesa 1907-1910, (prefácio de Joel Serrão) Lisboa, Assírio e Alvim, Janeiro de 1982, pp. XIV- XV.



Testemunho de Machado Santos


Rotunda


04 de Outubro de 1910 – Noite



Os populares que estavam desarmados foram-se entretendo na construção de teóricas barricadas. Tudo servia, guaritas, madeiramento de obras, fios telegráficos, troncos de arvores, chapas de zinco, etc..


(…) granadas das baterias de Queluz começam a chover na Rotunda (…) o acampamento responde ao fogo do inimigo e o Quartel de Artilharia 1, com duas peças, defendia-se galhardamente; ao mesmo tempo uma viva fuzilaria envolvia por completo a Rotunda.


Fonte: Machado Santos, A Revolução Portuguesa 1907-1910, (prefácio de Joel Serrão) Lisboa, Assírio e Alvim, Janeiro de 1982, pp. 78- 79.







Testemunho do Marquês do Lavradio


04 de Outubro de 1910 – Tarde


Expectativa



Durante toda essa longa noite, o Ministério deixa o Rei isolado e sem conhecimento do que se está passando. Só pelas 2 horas da tarde do dia 4, o Governo se lembra do Rei para lhe dizer que vá para Mafra. Todos pensámos que em Mafra estava organizada uma defesa, por isso que, quando nos encontrávamos no Buçaco e houvera o projecto de um movimento, fora para ali que o Teixeira de Sousa mandara seguir El Rei, o que não teve lugar por o movimento ter sido abafado. Afinal, em Mafra, nada estava organizado, e o comandante da Escola Prática declarava que não tinha gente nem meios suficientes para defender Sua Majestade.


Já a República fora proclamada em Lisboa, quando El-Rei recebeu em Mafra, para assinar, o decreto de suspensão de garantias!


Fonte: Memórias do Sexto Marquês do Lavradio, Lisboa, Edições Ática, 1947, pp.153-154.



Testemunho de Paiva Couceiro



Ao nosso sempre Pai e comandante do grupo a cavalo podemos nós felizmente dizer que o seu Grupo cumpriu honradamente o dever até ao fim.


Fonte: Memórias do Sexto Marquês do Lavradio, Lisboa, Edições Ática, 1947, pp.153-154.



Testemunho do Marquês do Lavradio


Exílio



Cheguei a Gibraltar no dia 11 e encontrei a Família Real num grande estado de abatimento, mas com enorme coragem e dignidade.


Fonte: Memórias do Sexto Marquês do Lavradio, Lisboa, Edições Ática, 1947, p.160.



Testemunho de Aquilino Ribeiro



Lembro-me que foi o Matin, na madrugada de 4, o único jornal que anunciou a revolução em Lisboa. Um milagre da informação que fez pasmar as outras gazetas. Com o Serpa Pimentel, que me levou a casa a grande nova, abalei para a Cité Bergère, v. sabe, uma rua do Torna Atrás à mão direita de quem sobe dos boulevards a Rue du Faubourg de Montmartre. Era na hospedaria que tomara o nome da impasse, que estava instalado o nosso estado-maior.


Fonte: Aquilino Ribeiro, Um escritor confessa-se, Lisboa, Bertrand Editora, 2008, pp.322-323.



Testemunho de José Relvas


Proclamação da República


Às 9 horas da manhã de 5 de Outubro era proclamada a República Portuguesa pelos revolucionários que do Rossio se tinham dirigido para a Câmara Municipal, a casa que fora conquistada pelos republicanos nos últimos anos da Monarquia. Ali se encontraram os representantes do Directório: Inocêncio Camacho, Eusébio Leão, José Barbosa, Malva do Vale e José Relvas(…).


A Praça do Município regorgitava, cheia pela multidão que ali acorrera logo depois de pacificada pela confraternização do Rossio. Foram proclamados os membros do Governo Provisório: Presidente, Teófilo Braga; Interior, António José de Almeida; Justiça, Afonso Costa; Finanças, Basílio Teles; Guerra, Correia Barreto; Marinha, Amaro de Azevedo Gomes; Obras Públicas, António Luís Gomes e Estrangeiros, Bernardino Machado. (…).


Fonte: José Relvas, Memórias Políticas, Lisboa, Terra Livre, 1977, p.151.





Testemunho de António José de Almeida


Batalhou-se durante três dias, mas batalhou-se honrosamente e aqueles que pegaram nas espingardas saíram dessa luta com as mãos tão puras de sangue que, voltando a seus lares podiam tomar ao colo as crianças que encontravam no berço.


Fonte: Discursos do Dr. António José de Almeida (Presidente de Portugal) Durante a sua estadia no Rio de Janeiro, de 17 a 27 de Setembro de 1922, por ocasião das festas comemorativas do 1.º centenário da Independência do Brasil, Rio de Janeiro, Jacinto Ribeiro dos Santos, 1922, p.36.


Testemunho de Aquilino Ribeiro


“O 5 de Outubro em Paris”


04 de Outubro de 1925


“No dia 5 confirmou-se o nosso palpite: a revolução, que se aguentasse mais trinta horas, teria fatalmente de vencer.
(…)
Nunca o nome de Portugal, como naquele dia, foi tão soprado nos boulevards. Nas parangonas, nas conversações, nas vozes surpreendidas ao passar, o estribilho era Portugal e sempre Portugal. Recapitulava-se a sua história, citavam-se as suas belezas naturais, com a mais calorosa simpatia e aprazimento pela revolução. O reconhecimento da República pôde demorar, mas desde a primeira hora o grande público francês esteve com ela de alma e coração.”


Fonte: “O 5 de Outubro em Paris”. Carta de Aquilino Ribeiro publicada pelo jornal O Popular, em 4 de Outubro de 1925. Publicado em RIBEIRO, Aquilino, Um escritor confessa-se, Bertrand Editora, Lisboa, 2008, pp.324-325.



Sem comentários:

Enviar um comentário